segunda-feira, 8 de março de 2010

Tata

Uma vez ouvi uma história de uma senhora chamada Antônia, que morreu em meados de 2000 na casa onde morava sozinha, ao lado da casa da irmã.
Ela nunca se casou, nem teve nenhum filho, nenhum companheiro ou amigo fora do círculo de sua família, dos seus sobrinhos e dos filhos de seus sobrinhos.
Ela tinha a pele bem clarinha, os olhos bem azuis escondidos por um óculos de grau grosso de lentes bem escuras, não sei se um dia ela já foi bonita ou não, acho que ninguém parava pra pensar nisso depois de vê-la andando com dificuldade por causa da corcunda nas costas.
Ela fazia todos os serviços de sua casa, ajudava a irmã, ajudava seus sobrinhos, cuidava dos filhos deles. Almoçava no domingo com toda a família reunida e via Silvio Santos desde a manhã até à noite. E só. Nunca assistia a nenhum filme, nunca lia nada, nunca ria muito alto, nunca chorava, nunca ria. Vivia sempre das arestas da vida da irmã, sem que ninguém soubesse o porquê. Às vezes, no final de uma festa de Natal, a família ponderava porque a Tata vivia essa vida tão nublada, tão sem nada.
Com todo tempo que passava com os netos de sua irmã Catarina, nenhum deles sabia dizer quem era a Antônia, a Tata, que parecia os amar apenas porque amor de família é suposto e pré estabelecido, mas ela os amava e eles sabiam.
Um dia, pouco tempo antes de morrer, ela disse pra alguém da família, sem que ninguém a perguntasse e sem chorar, que passou a vida inteira na casa da irmã pois desde adolescente ela era apaixonada por seu marido. Mas ele escolheu a Catarina pra casar. Ela nunca amou mais ninguém, nunca teve ninguém e seu amor por ele só cresceu. Cresceu tanto, que ela nem queria ser amada de volta. Queria, mas sabia que isso nunca aconteceria, então continuou amando até isso não mais importar, até o dia em que ela, quase morrendo, contou isso pra alguém sem chorar.
Pensei que o amor é isso e que ele não é uma coisa tão boa assim.
A Tata era tia do meu pai, e há poucos dias me contaram essa história. Me senti uma estúpida por nunca tê-la entendido, por vê-la como uma senhora que nasceu velha e morreu só. Eu amava a Tata com alguém da minha família. Hoje eu amo diferente.

2 comentários:

Joanne Sometimes disse...

"pensei que o amor é isso e que ele não é uma coisa tão boa assim." - como não pensar assim, de vez em quando??
golpe certeiro, matador, e tudo isso com identidade familiar na jogada! essas são as melhores histórias...

Teco disse...

Olá moça!

Adorei seu blog tb!
Seu penúltimo texto me fez pensar tanto, mas tanto, que acabei elucubrando aquele meu ultimo post...

Poxa, eu tb conheci uma pessoa como a Tata! Agente o chama de Zé, pra variar! rs...

Ele tem 61 anos, tem olhos azuis lindos tb! É super inteligente... Ele serviu o exército quando jovem e paralelo a isso, tinha alguém que ele pensava esperar por ele enquanto fazia missões pela américa do sul... Quando retornou delas, pronto pra casar, adivinha... Ela estava grávida do segundo filho...
Ele tem plena consciência de que se largou depois disso.
Hoje o que ele faz é ler, ir ao psiquiatra e fumar um cigarro após outro...

É engraçado como um amor pode te motivar a ter as mais adversas reações... Correspondido, delícia! Reprimido, dói... Acaba conosco.

Apesar dos pesares, acho que a vida não seria encarada com tanta graça sem os sentimentos...

Eu tenho uma visão e entendimento diferente sobre o que o amor representa pra mim hoje... Mas isso é assunto pra uma mesa de bar! rs...

Beijos.