terça-feira, 8 de julho de 2008

Soft Color Granada

Todo dia antes de começar a aula era assim, a névoa da madrugada escolar, o pátio semi vazio, os nerds babando e empurrando o grande aro de ferro e brinquedo, os metidos a atletas profissionais dando o sangue no bola ao mastro pra entrar na classe com bigodinho nojento de suor, alguns tomando o café- da- manhã na cantina sem variedade e outros sonolentos esperando os amigos chegarem e observando no prédio do outro lado do pátio os alunos mais velhos, que estavam mais próximos de abandonar aquilo tudo. Pra trocar por mais daquilo, mas ninguém sabia disso ainda.

Foi num tédio desses que descobri minha "ídola" não- famosa, que estudava ali mesmo na escola. A Jackie tinha, além de um apelido em inglês, um cabelo tingido de vermelho- alaranjado em chamas e usava as melhores roupas de toda a escola. De repente ela cruza o pátio com uma camiseta oversized e na época já vintage da Madonna, do The Girlie Show, calça jeans justa e detonada e havaianas. Pronto. A Jackie trend setter estava criada. Ela tinha só 18 anos, mas na minha cabeça era a Vivienne Westwood.
Desde criança eu me amaldiçoava por não ter nascido com um cabelo vermelho berrante; eu tinha inveja da pequena sereia, comprava bonecas ruivas e a minha Barbie mais inseparável era a Vicky, uma ruiva de cabelo na cintura. Tudo só piorou quando li/ assisti Christiane F. Eu tinha treze como a própria e queria um cabelo daquele de qualquer jeito, mas minha mãe não me  deixava enfrentar uma descoloração, "só xampuzinho, e olhe lá". Fair Enough. Aceitei a ordem. Mas o resultado era muito sutil pro meu gosto. Na época eu já gostava de rock e tinha adotado um visual menos convencional.
Na realidade, vi a Jackie poucas vezes depois disso, algumas vezes na boate, onde conseguíamos entrar com salto alto, maquiagem e cigarrinho na mão, em alguns bares e nas festas do colegial, que eram feitas em boates desativadas. Ela estava sempre dançando super bem. Um dia, numa festa de fim de ano da escola, eu a vi se apresentando com uma companhia de ballet e uma novidade: cabelo curtinho e verde escuro. E um piercing no nariz, numa época em que nem existiam body piercers em Ribeirão. Todo mundo queria saber como era tudo aquilo e ouvi de relance no banheiro, enquanto eu e minha melhor amiga fumávamos escondido (mais pela adrenalina que pelo vício inexistente), ela explicando para as amigas o que era aço cirúrgico. Foi a penúltima vez que eu a vi, e apesar dela ser a coadjuvante desse meu post (sim, porque a principal sou eu), ela não teve nenhum impacto na minha vida, daqueles que os ídolos colegiais têm. Isso, claro, até a última vez em que eu a vi.
Eu estava num bar ridículo e pretensioso, que se orgulhava de servir café à noite e onde garçons queriam que a gente degustasse o vinho almadém antes de beber, mostrando a rolha. Triste. A banda de blues que tocava era a única do gênero na cidade e tinha o repertório congelado há uns cinco anos. As cadeiras eram frágeis e minha amiga Amanda quebrou uma delas.  Todo mundo riu, porque ela era gordinha, e ela riu muito também, o que mostra que ela ficou bem triste.
Foi lá que eu vi a Jackie, agora Tatiana a contra gosto. Ela usava uma calça jeans baixa com um top de crochê marrom horrível. O cabelo estava castanho esverdeado, daqueles que escondem um louro platinado por baixo. E ela parecia tão velha, apesar de ter uns 25. Estava bêbada e sozinha, dançando eroticamente frente à banda, que ficou visivelmente constrangida. No final de cada música/dança, ela olhava para todos os lados e sorria para as pessoas das mesas, esperando a saudação de seu ato, os aplausos que nunca viriam. Assim ela passou a noite toda, cada vez mais bêbada, mais vulgar e mais triste. Pensei em sonhos destruídos e fiquei com muito medo.
Usei meu cabelo vermelho em chamas por quatro anos, depois cansei.